Meus caros amigos, alguns de vós, que aqui vos
achais, possuís dedicação e amor à causa da Luz e da Verdade; é lícito,
portanto, procuremos corresponder aos vossos esforços e aspirações de
conhecimento, ofertando-vos todas as coisas do espírito, dentro das nossas
possibilidades, para que vos sirvam de auxílio na escalada difícil da verdade.
Numerosas são as falanges de seres que se entregam
à difusão das teorias espiritualistas e que operam, na atualidade, o milagre do
ressurgimento da filosofia cristã, em sua pureza de antanho. É que chegados são
os dias das explicações racionais de todos os séculos que tendes atravessados
com os olhos vendados para os domínios da espiritualidade, devidos aos
preconceitos das posições sociais e sentimentos de utilitarismo de vários
sistemas religiosos e filosóficos, desvirtuados em suas finalidades, em seus
princípios.
Nossos desejos seriam os de que a nossa voz fosse
ouvida, veiculando-se a palavra da imortalidade sobre toda a Terra; todavia,
não serão feitos em vão os nossos apelos.
Por constituir tema de interesse geral para quantos
mourejam nas fainas benditas do conhecimento da verdade, subordinei estas palavras
à epígrafe “Roma e a Humanidade”, a fim de levar-vos a minha pequena parcela de
instrução sobre o Catolicismo que, deturpando nos seus objetivos as lições do
Evangelho, se tornou uma organização política em que preponderam as
características essencialmente mundanas.
ROMA EM SEUS PRIMÓRDIOS
Fundada em tempos remotíssimos, por agrupamentos de
homens que experimentavam a necessidade de recíproca defesa e proteção mútua,
edificou-se Roma, sobre as lendas de Rômulo, do rapto das sabinas e outras.
Habitada por indivíduos acostumados à rudeza, tornou-se populosa com os
reforços de habitantes que constantemente lhe vinham dos núcleos
circunvizinhos, vindo a ser em breve a cidade que se transformaria na célebre
república, depois império, e que tão fortemente predomina sobre os destinos
humanos.
Como, porém, não é objeto da nossa palestra o
estudo da História Universal, sintetizemos, para alcançar o nosso desiderato.
O CRISTIANISMO EM SUAS ORIGENS
Edificante é a investigação, o estudo acerca do
Cristianismo nos primeiros tempos de sua história; edificante lembrarmos as
apagadas figuras de pescadores humildes, grosseiros e quase analfalbetos, a
enfrentarem o extraordinário e secular edifício erguido pelos triunfos romanos,
objetivando a sua reforma integral.
Afrontando a morte em todos os caminhos,
reconheceram, em breve, que inúmeros Espíritos oprimidos os aguardavam e com
eles se transformavam em anunciadores da causa do Divino Mestre.
A história da Igreja cristã nos primitivos séculos
está cheia de heroísmos santificantes e de redentoras abnegações. Nas dez
principais perseguições aos cristãos, de Nero a Diocleciano, vemos, pelo
testemunho da História, gestos de beleza moral, dignos de monumentos
imperecíveis. Foi assim que, contando com a animadversão das autoridades da
filosofia em voga na época, os seguidores de Cristo sentiram forte amparo na
voz esclarecida de Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes e outras
sumidades do tempo.
OS BISPOS DE ROMA
Nos primitivos movimentos de propaganda da nova fé,
não possuíam nenhuma supremacia os bispos romanos entre os seus companheiros de
episcopado e a Igreja era pura e simples, como nos tempos que se seguiram ao
regresso do seu divino fundador às regiões da Luz. As primeiras reformas
surgiram no quarto século da vossa era, quando Basílio de Cesaréia e Gregório
Nazianzeno instituíram o culto aos santos.
Os bispos romanos sempre desejaram exercer
injustificável primazia entre os seus coirmãos; todavia, semelhantes pretensões
foram sempre profligadas, destacando-se entre os vultos que as combateram a
venerável figura de Agostinho, que se tornara adepto fervoroso do Crucificado à
força de ouvir as prédicas de Ambrósia, bispo de Milão, a cujos pés se
prosternou Teodósio, o Grande, penitenciando-se das crueldades perpetradas ao
reprimir a revolta dos tessalonicenses.
Desde o primeiro concílio ecumênico de Nicéia,
convocado para condenação do cisma de Ário, continuaram as reuniões desses
parlamentos eclesiásticos, onde eram debatidos todos os problemas que
interessavam ao movimento cristão. Datam dessas famosas reuniões as inovações
desfiguradoras da beleza simples do Evangelho; ainda aí, contudo, nesses
primeiros séculos que sucederam à implantação da doutrina de Jesus, destinada a
exercer tão acentuada influência na legislação de todos os povos, não se
conhecia, em absoluto, a hegemonia da Igreja de Roma entre as outras
congêneres. Somente no princípio do século VII a presunção dos prelados romanos
encontrou guarida no famigerado imperador Focas, que outorgou a Bonifácio a primazia
injustificável de bispo universal. Consumada essa medida, que facilitava ao
orgulho e ao egoísmo toda sua nociva expansibilidade, tem-se levado a efeito,
até hoje, os maiores atentados, que culminaram, em 1870, na declaração da
infalibilidade papal.
INOVAÇÕES E DOGMAS ROMANOS
A doutrina de Jesus, concentrando-se à força na
cidade de Césares, aí permaneceu como encarcerada pelo poder humano e, passando
por consecutivas reformas, perdeu a simplicidade encantadora das suas origens,
transformando-se num edifício de pomposas exterioridades. Após a instituição do
culto dos santos, surgiram imediatamente os primeiros ensaios de altares e
paramentos para as cerimônias eclesiásticas, medidas aventadas pelos pagãos
convertidos, os quais, constantemente, foram adaptando a Igreja a todos os
sistemas religiosos do passado. O dogma da trindade é uma adaptação da Trimúrti
da antiguidade oriental, que reunia nas doutrinas do bramanismo os três deuses
– Brama, Vishu e Siva. É verdade que as coisas inacessíveis ainda à vossa
compreensão e que constituem os mistérios celestes, só vos podem ser
transmitidas em suas expressões simbólicas; mas, o Catolicismo não pode
aproveitar-se desse argumento para impor-se como única doutrina infalível e
soberana. Ele era uma escola religiosa, como qualquer outra que busque nortear
os homens para o bem e para Deus, mas que perdeu esse objetivo, pecando
constantemente por orgulho dos seus dirigentes, os quais raras vezes sabem
exemplificar a piedade cristã.
A história do papado é a do desvirtuamento dos
princípios do Cristianismo, porque, pouco a pouco, o Evangelho quase
desapareceu sob as suas despóticas inovações, Criaram os pontífices o latim nos
rituais, o culto das imagens, a canonização, a confissão auricular, a adoração
da hóstia, o celibato sacerdotal e, atualmente, noventa por cento das
instituições são de origem humaníssima, fora de quaisquer características
divinas.
AS PRETENSÕES ROMANAS
Perdido o cetro da sua hegemonia na antiguidade, o
espírito de supremacia perdurou, entretanto, na grande cidade, outrora teatro
de todos os aviltamentos e corrupções da Humanidade. Foi dessa ânsia, de operar
um retrospecto da História, que nasceu provavelmente o desejo de o bispo romano
arvorar-se em chefe do Cristianismo; o que Roma perdera, com o progresso e com
a expansão dos povos, reaveria nos domínios das coisas espirituais.
E assim aconteceu.
O Vaticano, porém, não soube senão produzir obras
de caráter exclusivamente material, tornando-se potência de poder e autoridade
temporais. Afogou-se na vaidade, obtendo o que procurava, porquanto tem o seu
império na Terra, que ainda não é o reino de Jesus. O seu fastígio, as suas
suntuosas basílicas, as suas pomposas solenidades recordam o politeísmo e as
dissipações da sociedade romana e, quando o sumo-pontífice aparece em vossos
dias na sédia gestatória, é o retrato dos cônsules do antigo senado quando
saiam a público, precedidos de litores. O símile é perfeito.
Meu objetivo foi mostrar-vos a inexistência do selo
divino nas instituições católicas. Toda a força da Igreja, na atualidade, vem
da sua organização política, que busca contemporizar com a ignorância. O
milagre que se operou nalguns espíritos de eleição, como o divino inspirado da
Úmbria, gerou-se da beleza do Evangelho e dos tempos apostólicos, unicamente,
porque, entre Jesus e o papa, entre os apóstolos e os clérigos, há uma
distância imensurável.
O Vaticano conservará seu poderio, enquanto puder
adaptar-se a todos os costumes políticos das nacionalidades; mas, quando o
Evangelho for integralmente restabelecido, quando a onda de uma reforma
visceral purificar o ambiente das democracias com a luminosa mensagem da
fraternidade humana, desaparecerá, não podendo ser absolvido na balança da
História, porque ao lado dos poucos bens que espalhou está o peso esmagador das
suas muitas iniqüidades