Em caso afirmativo, a qual Igreja
caberia essa função?
Deverá o poder da República
receber a sagração de todos os cultos?
As perguntas acima revelam o
assunto palpitante dos interesses inferiores da Igreja de Roma na América do
Sul, mormente no Brasil, segundo as nossas considerações em anterior
comunicado.
Motivam-se algumas declarações
feitas ultimamente por um padre católico, considerando a “origem divina do
poder sobre a Terra”, tentando reconduzir o Estado às antigas bases
absolutistas e teocráticas.
Decididamente, a Igreja não
esconde o seu propósito de escravizar ainda as consciências humanas e, com os
seus continuados pruridos de hegemonia sobre todos os outros cultos, revela
suas fundas saudades do Santo Ofício, para algemar o pensamento dos homens às
enxovias dos seus interesses.
Em pleno século XX, fala-se na
necessidade de se delatarem os crimes dos pais, dos esposos, dos irmãos;
preconiza-se a devassa das instituições, dos lares e das consciências. Não será
surpresa para ninguém, se os padres católicos exumarem amanhã, das cinzas da
Idade Média para os dias que correm, o célebre Livro das Taxas, do tempo de
Leão X, em que todos os preços do perdão para os crimes humanos estão
estipulados.
A evolução dos códigos políticos da América do Sul
deveria merecer mais respeito por parte dos elementos que se acham sob as
ordens do Vaticano.
Falar-se em sagração do chefe do Estado pela Igreja
Romana, aliando o direito divino às obrigações políticas, depois de tantas
conquistas sociais da República, seria quase infantilidade, se isso não
representasse algo de perigoso para os próprios códigos de natureza política do
país.
Nenhum culto, que se prenda a Deus pela devoção e
por determinados deveres religiosos, tem o direito de interferir nos movimentos
transitórios do Estado, como este último não tem o direito de interferir na
vida privada da personalidade, em matéria de gosto, de sentimento e de
consciência, segundo as velhas fórmulas do liberalismo. Há muito tempo, os
fenômenos do progresso político dos povos proscrevem essas nefastas influências
religiosas sobre a política administrativa das coletividades.
Já o próprio Cristo asseverava nas suas divinas
lições; - “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”
Mas, a Igreja Católica Romana jamais ocultou sua
preferência pela amizade de César.
Os tempos apostólicos, que ainda iluminam o coração
da Humanidade sofredora, até os tempos modernos, pela sua união com o
Evangelho, foram muito curtos. Não tardou que a organização dos bispos romanos
preponderasse sobre todos os núcleos do verdadeiro Cristianismo, sufocando-os
com as suas forças temporais.
Inventaram-se todas
as novidades para o ideal de simplicidade e pureza de Jesus e, desde épocas
remotas, o Catolicismo é bem retrato do farisaísmo dos tempos judaicos, que
conduziu o Divino Mestre á crucificação. Amiga dos poderosos, em todos os
tempos, bastilha do pensamento livre da Humanidade que tentou a civilização
cristã, é talvez, por esse motivo, que a Igreja, pela voz dos seus teólogos
mais eminentes, procurou sempre revestir o poder transitório dos felizes da
Terra com um caráter de divindade. Batida pela demagogia céptica de todos os
filósofos e cientistas que seguiram no luminoso caminho das concepções
liberais, retirada da sua posição de opressora para se transformar em
instrumento humilde de outros opressores das criaturas humanas, a Igreja, na
sua assombrosa capacidade de adaptação, esperou pacientemente outras
oportunidades para reaquisição dos seus poderes e de suas tiranias e as
encontrou dentro da mística do Estado totalitário
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