Interpelado, há dias, a respeito
da confissão auricular, nada mais pude fazer que dar uma resposta resumida, de
momento, adiando o instante de expender outras considerações atinentes ao
assunto.
Padre católico que fui, na minha
última romagem terrena, sinto-me à vontade para fala com imparcialidade
sincera.
Não será a minha palavra que vá
condenar qualquer religião, todas elas nascidas de uma inspiração superior que
os homens viciaram, acomodando as determinações de ordem divina aos seus
próprios interesses e conveniências, desvirtuando-lhes os sagrados princípios. Todas
as doutrinas religiosas têm a sua razão de ser no seio das coletividades, onde foram
chamadas a desempenhar a missão de paz e de concórdia humana. Todos os seus males
provém justamente dos abusos do homem, em amoldá-las ao abismo de suas materialidades
habituais; e, de fato, constitui um desses abusos a instituição da confissão auricular,
pela Igreja Católica.
A CONFISSÃO NOS TEMPOS
APOSTÓLICOS
Se é verdade que, na época do
Precursor, os novos crentes adotavam o sistema de confessar publicamente as
suas faltas e os seus erros, tal costume diferia essencialmente de tudo quanto
criou a Igreja Católica, nesse particular, depois da partida, para o Além, dos
elevados Espíritos que lançaram, com o sangue dos seus sacrifícios e com a mais
sublime renúncia dos bens terrenos, as bases da fé, as quais têm resistido ao
bolor dos séculos. A confissão pública dos próprios defeitos, nos tempos
apostólicos, constituía para o homem forte barreira, evitando sua reincidência
na falta. Um sentimento profundo de verdadeira humildade movia o coração nesses
momentos, oferecendo-lhe as melhores possibilidades de resistência ao assédio
das tentações, e semelhante princípio representava como que uma vacina contra
as úlceras do remorso e das chagas morais.
Todavia, os tempos decorreram e,
no seu transcurso, observou-se a transformação radical de todas as leis
sublimes de fraternidade cristã, anteriormente preconizadas.
A CONFISSÃO
AURICULAR E SUA GRANDE VÍTIMA
A confissão auricular constitui
uma aberração, dentro do amontoado das doutrinas desvirtuadas do romanismo. E é
justamente a mulher, pelo espírito sensível de religiosidade que caracteriza, a
maior vítima do confessionário.
Infelizmente, toda a série de
absurdos do inqualificável sacramento da penitência é oriunda dos superiores
eclesiásticos, dos teólogos e falsos moralistas da Igreja que, perversamente,
criaram os longos e indiscretos interrogatórios, aos quais terá a mulher de submeter-se
passivamente, diante de um homem solteiro, estranho, que ela, inúmeras vezes,
nem conhece.
Os padres, geralmente, em virtude
do seu desconhecimento dos sagrados deveres da paternidade, não a vão
interpelar no tocante ás obrigações austeras do governo da casa; ferem
exatamente os problemas mais íntimos e mais delicados da vida do casal,
violando o sagrado respeito das questões do lar, dando pasto aos pensamentos
mais injustificáveis e, às vezes, repugnantes. E o véu de modéstia e de beleza
que Deus concedeu à mulher, para que ela pudesse mergulhar qual lírio de
espiritualidade nos pântanos deste mundo, é arrancado justamente por esse homem
que se inculca ministro das luzes celestes. Muitas vezes, é no confessionário
que começa o calvário social da mulher. Dolorosos e pesados tributos são
cobrados das católicas-romanas, que, confiadas em Deus, se lançam aos pés de um
homem cheio das mesmas fraquezas dos outros mortais, na enganosa suposição de
que o sacerdote é a imagem da Divindade do Senhor.
REFORMA NECESSÁRIA
Não podeis calcular a imensidade
de crimes perpetrados à sombra dos confessionários penumbrosos, onde almas
aflitas e fervorosas buscam consolação e conforto espiritual. O que se faz
necessário em vossos dias é a reforma de semelhantes costumes. Quando essa
renovação não parta das autoridades eclesiásticas, que ela possa nascer dos esforços
conjugados de todos os esposos e de todos os pais, substituindo eles os confessores
junto de suas esposas e de suas filhas.
Muitas vezes, quando procurado
por consciência polutas, que me vinham fazer o triste relato de suas
existências repletas de deslizes, eu nunca me senti com autoridade bastante
para ouvi-las.
CONFESSAI-VOS UNS AOS OUTROS
Todo espírito do Evangelho,
legado pelo Mestre à Humanidade sofredora, foi deturpado pelo homem, dentro dos
seus interesses mesquinhos e das suas idéias de antropomorfismo.
Por isso, nós, que já trazemos o
coração trabalhado nas mais penosas experiências, podemos declarar, diante da
nossa consciência e diante de Deus que nos ouve, que nenhum bem pode
prodigalizar a confissão auricular ao espírito, sendo um costume eminentemente nocivo,
com seus característicos de depravação moral, merecendo, portanto, toda a
atenção da sociologia moderna.
Confessai-vos uns aos outros,
buscando de preferência aqueles a quem ofendestes e, quando a vossa imperfeição
não vo-lo permita, procurai ouvir a voz de Deus, na voz da vossa própria
consciência.
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